Espaço poético da recordação.
Espaço poético da recordação.
...uma imagem poética pode ser o germe de um mundo,
o germe de um universo imaginado diante do devaneio de um poeta.
Gaston Bachelard
o germe de um universo imaginado diante do devaneio de um poeta.
Gaston Bachelard
Passa das duas horas da manhã quando ela chega em casa. A maquiagem
borrada, o cabelo em desalinhado, o par de sapatos altos nas mãos. Abre a
pequena bolsa prateada de festa que leva nos ombros e lá encontra uma rosa
branca murcha, que algumas horas atrás tinha recolhido da decoração da
igreja.
Ela acaba de casar o único filho e seu coração tem uma mistura de sentimentos que não consegue decifrar. Olha ao redor, está sozinha, se joga no sofá e fica por uns minutos olhando para as paredes da sala, com a rosa murcha nas mãos. Pensa em tomar um banho, mas não tem forças. De repente, seus olhos pousam em um pequeno baú de madeira antigo em um cantinho da sala. Pisando na barra do vestido longo de festa vai até ele e abre sua tampa.
Ela acaba de casar o único filho e seu coração tem uma mistura de sentimentos que não consegue decifrar. Olha ao redor, está sozinha, se joga no sofá e fica por uns minutos olhando para as paredes da sala, com a rosa murcha nas mãos. Pensa em tomar um banho, mas não tem forças. De repente, seus olhos pousam em um pequeno baú de madeira antigo em um cantinho da sala. Pisando na barra do vestido longo de festa vai até ele e abre sua tampa.
Aquele não é um simples baú, é o livro de sua vida. Ali dentro, cada um
dos objetos guardados são como partes de um livro que foram sublimadas, com a
mesma finalidade que se sublima partes de um livro para que os momentos e as
imagens não se percam.
Os objetos que habitam aquele velho baú guardam em si testemunhos de
grandes momentos, e têm com ela uma relação tão íntima que passaram a fazer
parte de sua identidade. Ela, com cuidado, coloca a rosa murcha em um cantinho,
para eternizar o momento emocionante do casamento do filho.
Afinal, é um velho baú de recordação, mas em nenhum momento de sua vida
deixou de ser dinâmico, guarda percurso de sua vida, às vezes, mais
intensamente, outras vezes, mais lentamente, pois a história acontece de formas
diferentes a cada dia.
Pensa que já foi motivo de chacota por causa daquele velho baú, “mania
de guardar coisas velhas”, mas não se importa. Vai até a sacada e olha o céu.
Afinal o céu estrelado também é um velho
baú. É uma fotografia tirada a milhões de anos, muitas das estrelas que vê
agora já se apagaram.
Ali naquele pequeno espaço está o livro da sua vida, não de folhas escritas, ou anotações de caderno, pequenos objetos biográficos que guardam o visível e o invisível. Guardam histórias vividas e algumas mal iniciadas deixadas pela metade. O que foi ou o que poderia ter sido e não foi. Antes de fechar o baú, acaricia a rosa e sorrir pro dentro. No momento, aquela é a última página.
Este post é parte integrante do projeto
“Cadernos de Notas – segunda Edição” do qual participam as autoras Ana Claudia
Marques, Ingrid Caldas, Luciana Nepomuceno, Lunna Guedes, Maria Cininha,
Tatiana Kierberman, Thelma Ramalho e a convidada Mariana Gouveia.
Comentários
bacio
cheiro de coisa guardada , gosto de lágrimas e sons de riso.
cheiro de guardado, sons de riso e gosto de lágrimas.
lindo escrito querida..
beijos.